O objeto é gramatical?

Se fizermos confiança em Gaffiot*, os latinos deram às palavras, primeiro, uma significação objetiva, material, e, somente depois, por derivação, por figuração, uma significação mais abstrata. Assim, é possível formular-se o princípio de uma ordenação no tempo dos significados em latim: quanto mais abstrato for o significado de uma palavra, mais tardiamente a significação teria surgido.
 
Por exemplo, vestigia. Vestigia significa, antes de tudo, as impressões materiais deixadas pelos pés, ao andar, sobre a terra ou sobre a areia, e, somente depois, alcança o significado figurado, geral, abstrato, de “traços”, até mesmo invisíveis. Primeiro, pegadas; depois, traços, vestígios.

Talvez essa precedência da significação objetiva sobre a abstrata esteja ligada à provável crença de Gaffiot na definição ostensiva, segundo a qual, aprendemos o significado das palavras, ao relacioná-las, subjetivamente, a objetos reais exteriores apontados ao mesmo tempo que as palavras são enunciadas.

Pode-se, porém, pensar que o vínculo entre a palavra e o objeto se estabeleça de maneira inversa. Assim, a existência do objeto não precederia a da palavra, mas seria a da palavra, no seu entrelaçamento com outras palavras, que precederia a do objeto. Seria o recorte e a funcionalidade da palavra, no continuum sonoro estruturado pela gramática, que perfaria o recorte do objeto do continuum do seu pano de fundo real. De modo que o objetivo seria gramatical.

(*) GAFFIOT, Félix. Le Gaffiot de poche. Paris: Hachette, 2001.

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